EM BUSCA DOS CANTOS, DOS ENCANTOS E DAS HISTÓRIAS ESQUECIDAS DAS CATARATAS DO IGUAÇU

A estonteante beleza das Cataratas do Iguaçu (Foto de @Marcos Amend)


No oeste paranaense, divisa do Brasil com a Argentina, em meio a uma exuberante floresta tropical, o Rio Iguaçu revela no seu trecho final um imponente conjunto de mais de 270 saltos e quedas d’água - as Cataratas do Iguaçu.

Uma das paisagens mais espetaculares do mundo!!!

Símbolo nacional e importante destino turístico que atrai visitantes de diversas partes do país e do mundo.

Além do título de Patrimônio Mundial da Humanidade (UNESCO), as Cataratas do Iguaçu foram declaradas, em 2011, como uma das sete maravilhas do mundo natural [1]

Representam o maior sistema de quedas d’água do planeta, depois das Cataratas do Niágara. 

Mas quem já viu as duas de perto garante que a nossa da terra brasilis é mais bonita! 

Para os geólogos, essa formação tem de 1 a 1,5 milhões de anos. E foi escavada pela força erosiva das águas do Rio Iguaçu sobre rochas basálticas de origem vulcânica, formando falhas e fraturas. 

Mas para os povos originários desse território, essa magnífica obra da natureza foi formada por  influência de  M’Boiuma divindade na forma de uma grande serpente que habitava o leito do rio, em uma história de amor e fúria.

A lenda indígena da serpente do Rio Iguaçu


Conta a lenda [2] que o Rio Iguaçu corria livre, sem corredeiras, rico em peixes que alimentavam os indígenas que habitavam as suas margens. 

A fartura dependia de M’Boi, a serpente que habitava nas suas profundezas, e que de tempos em tempos exigia algum tributo. 

Naipi, filha do cacique da tribo, foi escolhida para ser entregue a ela em sacrifício. 

O jovem guerreiro Tarobá, no entanto, enamorado da moça, fugiu com ela pelo rio em uma canoa. 

Ao descobrir o fato, M´Boi, furiosa com a fuga, se retorceu com violência, provocando desmoronamentos nas margens do rio - que formaram os abismos das cataratas. E criando ondas que envolveram a canoa de Naipi e Tarobá, fazendo-os perderem-se nas águas. 

Naipi teria sido então encantada por Tupã na forma de uma rocha abaixo da grande cachoeira. 

E Tarobá,  transformado em uma palmeira na beira do paredão. 

Destinados, os dois amantes, a olhar para sempre um para o outro, sem jamais voltarem a se encontrar. 

Mas como o amor tudo pode e tudo vence, eis que quando as brumas das cataratas se elevam ao sol, forma-se o arco-íris. Que une os dois enamorados! - como lindamente ilustrado pelo artista Eloi Júnior na imagem reproduzida ao lado [3] . 


Mas quem apenas olha o belo nem sempre enxerga tudo o que guardam as paisagens!

O desenvolvimento do turismo transformou a lenda indígena em um mero produto de marketing. 

Há camisetas e suvernirs sendo vendidos em toda a região estampando aqueles que seriam os índios enamorados Naipi e Tarobá. 

A versão propagada comumente nas mídias apresenta, no entanto, alguns equívocos - segundo o jornalista e pesquisador Jackson Lima, que retrata a lenda no livro A Y-Guaçu Secreta [4]. 
Inclusive em atribuir a lenda ao povo errado, contribuindo para manter o apagamento da memória indígena Guarani na região.

Quem apenas aprecia a beleza do cenário das Cataratas, mal imagina que ela tenha sido - e ainda seja - palco de uma série de acontecimentos dramáticos. 

De eventos do passado, como o extermínio massivo de indígenas Guarani, o povo que habitava esse território ancestralmente. 
Onde milhares deles foram lançados nas profundezas da Garganta do Diabo durante o processo de colonização. 

Histórias cruéis apagadas da memória da região, uma vez que a maioria das publicações brasileiras sobre as Cataratas sequer menciona a presença histórica desse povo no território

E eventos dramáticos do presente - como a agonia do Rio Iguaçu, um dos corpos hídricos mais poluídos do Brasil. Que recebe toneladas de esgoto nas proximidades de Curitiba e região metropolitana, onde nasce. E massivas doses de agrotóxicos ao longo do seu curso até o Rio Paraná, onde deságua [5].

Em seu esforço ativista, Jackson Lima - um "guardião moderno"  dos lugares sagrados e grande estudioso das histórias esquecidas dessa região - reivindica o reconhecimento das cataratas como um "lugar de poder e de paz", fonte da "neblina criativa", sítio ancestral e lugar de memória do Povo Guarani. 

Além de chacra da Terra, um dos grandes vórtices energéticos planetários, como reconhecem adeptos de diversas linhas espiritualistas que visitam o local.

As paisagens das Cataratas do Iguaçu marcaram profundamente minhas lembranças desde que estive lá pela primeira vez, ainda criança. 

Mas a última visita, em 2015, na companhia do meu filho e já imbuída de alguns conhecimentos sobre os sítios sagrados, foi a mais especial. 

Principalmente pela instigante conversa com Jackson Lima, em uma noite encantadora em meio às brumas desse cenário mágico. 


Todos os anos, milhares de pessoas visitam as Cataratas do Iguaçu e de lá saem com lindas fotos e lembranças. 

A lenda indígena sobre a origem desse local virou enredo de peças de teatro, apresentações de dança, livros infantis, animações e curta metragens, ilustrações, obras artísticas e souvenirs

Mas os cantos sagrados Guarani e a voz desse povo, entretanto, ainda clamam por serem ouvidos [6]
Um povo com uma incrível capacidade de sobrevivência cultural e uma enorme força espiritual com quem temos muito a aprender.



Que a beleza dos lugares sagrados mais grandiosos da Terra nos ajude a despertar para a importância de honrar os povos originários do nosso território. 

Povos que não são apenas parte importante da memória das regiões. Mas que ainda estão vivos e presentes nesses territórios, ainda que invisibilizados. 

Pois sem a conexão e o respeito com as nossas raízes ancestrais não iremos muito longe. 

É desse legado que todos viemos. 

E é a partir dele que podemos vislumbrar as chaves para garantir o nosso futuro.  

AGUYJÉ-AVÊRY 
(Obrigado na língua Guarani)

Érika Fernandes-Pinto, 09/09/2019


[1] Votação popular realizada pela New 7 Wonders Foundation via internet (<https://nature.new7wonders.com/wonders/iguazu-falls-argentina-and-brazil/>)

[2] Versão adaptada pela autora da obra de Hardy Guedes.

[3] Disponível em: https://eloirjr.blogspot.com/p/lendas-indigenas-do-parana.html?m=1


[4] Publicada originalmente em 2005, essa obra foi recentemente reeditada e ampliada. Disponível em: http://yscict.blogspot.com/



[6] Ouça os cantos Nande Reko Amandu - Memória Viva Guarani (2000) em: https://www.youtube.com/watch?v=l469uaunv6A


Comentários

  1. Incrivel!!! Adorei a lenda, muito poética! Parabéns, Érika!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Laura. Vem muito mais por aí! O que não faltam são lugares incríveis por esse nosso grande Brasil!

      Excluir
  2. Feliz por mais um conhecimento da lenda e é como é bom deixar a imaginação se levar pelo conto, mas triste por lembrar das ruindades que causamos a natureza como a poluição num dos maiores postais do mundo. Muito obrigado e parabéns pela iniciativa Érika.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada. Essa é uma das histórias que mais me comove, talvez porque esse lugar tenha marcado várias fases da minha vida. Sempre me emociono, não importa quantas vezes já a tenha contato. Sonho com o dia em que as pessoas que visitam as Cataratas sairão de lá levando no coração um desejo de mudança, e não apenas uma selfie.

      Excluir

Postar um comentário