O MORRO SÃO JOSÉ EM GUABIRUBA/SC E A INSTIGANTE FIGURA DO PAPAI NOEL DO MATO

 Da Série - Os sítios Sagrados por onde andei

Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto

Seguindo a minha própria proposta de que "a gente não precisa viajar para longe para conhecer sítios naturais sagrados", estou em busca dos que existem perto da minha casa em Itajaí/SC. 

Assim, fui visitar o Morro São José, no município de Guabiruba, cidade que faz parte do circuito turístico do Vale Europeu. 

Uma região de colonização alemã e italiana, entre outras, considerada uma das mais belas de um estado que esbanja regiões belas (1). 

Guabiruba é um dos quatro municípios formadores do Vale dos Teares, assim chamado pela expressiva indústria têxtil, junto com Brusque, Botuverá e Nova Trento (2).

O município se orgulha de ter boa parte das suas matas preservadas, muitas delas inseridas no Parque Nacional de Itajaí, uma unidade de conservação federal criada em 2004, com 57 mil hectares (3). 

 

O Morro São José faz parte de um complexo turístico com mirante, cruz, oratório, trilha ecológica e religiosa e pista de salto de parapente. Com cerca de 750 metros de altitude, oferece uma vista panorâmica da cidade. 

Há duas entradas. Uma pelo bairro Aymoré (Rua Carlos Boas), onde se segue caminhando por uma trilha em meio à mata. E outra pela Planície Alta, onde se segue por uma estrada de terra, anteriormente aberta para trânsito de veículos, mas atualmente permitida apenas para caminhantes e ciclistas (4). 

No percurso que sai do Aymoré, cerca de 800 metros de trilha revelam 40 pontos de oração com imagens de santos, dizeres e passagens bíblicas. 



Foto: rede mundial de computadores

Como eu estava de bicicleta, segui pela segunda via, onde o portal na entrada da estrada anuncia o trajeto como “Caminho da Fé".


Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto

Uma subida íngreme, mas acessível. 

E lá no alto, a vista mais do que vale a caminhada ou a pedalada. 

A pequena cidade de Guabiruba, com 20 mil habitantes, é rodeada de morros e vales florestados, compondo um cenário lindíssimo.


Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto


Duas cruzes e um oratório homenageiam São José, o padroeiro dos trabalhadores e da cidade. 


Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto



Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto


O santo que pouco fala e muito age

São José, como todo mundo que tem alguma influência cristã sabe, foi escolhido para ser o pai terreno de Jesus, esposo de Maria. 

Ele é considerado um exemplo da obediência à vontade divina. 

Conta-se que aceitou a gravidez de Maria sem questionar, ao receber a mensagem de um anjo que lhe informou que o fato era obra do Espírito Santo. 

E foi também por influência angélica que fugiu com ela para o Egito, protegendo a criança da matança de Herodes. 

Apesar da sua importância histórica, paradoxalmente não há muitas informações sobre ele registradas na Bíblia. E nem palavras suas nas escrituras, onde é retratado apenas como homem justo e fiel à Deus, exemplo do cuidado com a família. 

Sua figura desaparece misteriosamente do texto bíblico depois do episódio em que Jesus se perdeu aos 12 anos e foi encontrado no templo. 

Conta-se que, já idoso, ele faleceu quando Jesus tinha 20 anos, antes que o mesmo iniciasse sua vida pública, tendo lhe ensinado o seu ofício de carpinteiro (5). 

Apesar disso, tornou-se bastante popular não só no Brasil como em outros países, sendo relatado como intercessor em inúmeras graças e milagres e conhecido como “o santo que nunca falha”.


Foto: rede mundial de computadores


Na iconografia cristã, São José é retratado com um manto marrom que representa sua humildade e simplicidade e lembra a cor da madeira, material do seu ofício. 

O lírio em suas mãos representa a pureza do seu coração e a vitória da vida sobre a morte. 

Em quase todas as representações ele está olhando para baixo, lembrando que ele foi pai adotivo do Filho de Deus, a quem amou, cuidou e ensinou cumprindo plenamente seu papel (6).

É tido como padroeiro de vários grupos sociais - além dos trabalhadores, também dos operários, das famílias, dos pais, das mulheres grávidas, dos viajantes, dos imigrantes e dos artesãos. 

No Ceará, onde ele é o padroeiro do Estado, é encarregado de trazer a chuva no início do outono e, como quase nunca falha, é muito querido pelos agricultores. 

Por isso é celebrado no dia 19 de março – período do equinócio -, além do primeiro de maio, Dia Internacional do Trabalho. 

Também ganha destaque em 30 de dezembro, na Festa da Sagrada Família.

É emblemático também em outros países, sendo padroeiro das Américas, Canadá, China, Croácia, México, Coréia, Áustria, Bélgica, Peru, Filipinas e Vietnã.

Conta-se que ele soube da hora da sua morte também por intermédio de um anjo. E que fez a passagem tranquilamente, tornando-se também o padroeiro da boa morte.

São José é considerado uma das encarnações do Mestre Saint Germain, regente da Grande Fraternidade Branca. 


Foto: rede mundial de computadores

O dia primeiro de maio marca também a data da ascensão desse ser celestial que ancora a Chama Violeta da Transmutação. Uma energia que ajuda na libertação de bloqueios e da negatividade para que a chamada Era do Ouro se manifeste na Terra (7).

 

Um morro de muitos atrativos

Voltando à história de São José em Guabiruba, o morro onde está seu oratório, visível de diversos pontos da cidade, virou um centro regional de peregrinação, que tem seu ápice na sexta-feira santa. 


Foto: rede mundial de computadores


Segundo uma placa instalada lá no alto, o altar começou a ser erguido em 1962 para proteger a cidade de intempéries após um ciclo de tempestades e chuvas de granizo que devastavam as lavouras e causavam outros prejuízos aos moradores. 


No início, havia apenas uma singela cruz. Em 1964, o oratório atual foi inaugurado. 


Foto: acervo pessoal de Érika Fernandes-Pinto

Além da importância ecológica, cultural, religiosa, o Morro São José também é uma referência esportiva, não apenas para ciclistas, como eu, mas também para praticantes de voo livre. 

Um pouco à frente da entrada para o oratório está o acesso para a pista de parapente, no local chamado Morro da Samambaia, que sediou inclusive uma das etapas do Campeonato Brasileiro de Voo Livre.


Dizem que as condições climáticas e o revelo da região favorecem voos de longa distância e o local é um dos principais do estado para a prática desse esporte, enchendo seu céu de cores (8).


Foto: rede mundial de computadores



A lenda que virou tradição

 

Guabiruba - cidade cheia de festas tradicionais, grupos de dança e música e famosa por seu prato típico “marreco recheado com chucrute de repolho roxo e maçã” (9) - tem a alcunha de Terra de Pelznickel

 

Como eu não fazia ideia "do que ou quem" era isso, fui atrás de perguntar a algumas pessoas locais.


Até me deparar, em uma praça central (Praça Theodoro Debatin), com uma grande estátua dessa exótica figura, também conhecida – pasmem - como “Papai Noel do Mato”.


Foto: acervo pessoal Érika Fernandes-Pinto

Conta-se, ele é uma figura folclórica natalina trazida para a região do Vale Europeu por imigrantes alemães, por volta de 1860. 

É considerado um ajudante de São Nicolau, o santo associado ao Papai Noel oficial. Mas que não tem muita a ver com a imagem do velhinho de barbas brancas e roupas vermelhas que, segundo algumas pesquisas, foi popularizado como símbolo do Natal pelas campanhas publicitárias da Coca-Cola! (10)

Reza a lenda que no entardecer dos dias 6 e 24 de dezembro, Pelznickel sai das matas onde reside e invade as ruas da cidade coberto de folhas, barba-de-velho ou trapos de roupas escuras, com chifres e máscaras assustadoras. 

Como se não bastasse, ainda carrega correntes e chicotes. 

Dizem que seu intuito é amedrontar aqueles que aprontaram durante o ano, e recompensar os obedientes.

A interessante pesquisa de Dissertação de Mestrado de Álisson Castro (2015), intitulada “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho leva”, traça os percursos históricos, os usos e os sentidos atribuídos ao Pelznickel em Guabiruba-SC (10).

A tradição - proveniente de Baden, na Alemanha - foi repaginada nas terras tupiniquins. Enquanto lá Pelznickel vestia roupas de pele para resistir ao frio inverno, aqui, no calor de verão, trocou as pesadas vestimentas pelas folhagens tropicais. 

Em Guabiruba o personagem se popularizou na década de 1970, e desde então passou a ter um destaque cada vez maior. 

Em épocas mais recentes, o Papai Noel do Mato ganhou até uma Sociedade com seu nome e a Pelznickelplatz, local da cidade onde o espetáculo passou a ser regularmente encenado.


Foto: rede mundial de computadores

Apesar da herança cultural comum a outros municípios da região, foi em Guabiruba que a lenda pegou e virou não só tradição, mas uma atração turística, tornando-se uma figura chave para o desenvolvimento do município.

Em 2019, uma lei complementar alterou o plano diretor da cidade, tornando o Pelznickel um atrativo permanente da cidade, e não mais sazonal. 


Algo que, segundo alguns, contraria a lenda, que diz que ele só sai das matas em dezembro, gerando críticas à deturpação da lenda e à “espetacularização da tradição” (10).

 

Cabe observar também o trabalho que a prefeitura vem realizado com a divulgação no seu site de textos que contam a história por trás da lenda, como o personagem é representado pelo mundo e por outros lugares do Brasil, as memórias dos moradores mais antigos e por aí vai (11).


Eu não consegui descobrir se o Papai Noel do Mato tem alguma relação com a conservação da natureza, como outros personagens fantásticos das nossas matas, mares, rios e campos. 

Mas talvez ele contribua para o bom estado de conservação das florestas da região.

 

O Vale dos Teares tem muitos atrativos interessantes para conhecer e outros lugares que podem ser considerados sítios naturais sagrados.


Assim, não vou ficar sem programação por muitos finais de semana...

 

Adorei a experiência de, pertinho da minha casa, me deparar com um lugar como esse, cheio de características peculiares e histórias novas para mim. 


Afinal, as paisagens enchem os olhos, mas são as histórias sobre elas que nos tocam e fortalecem o coração! 

 

Bora conhecer um sítio natural sagrado aí pertinho da sua casa também? 


Aproveite para contar a sua história! Vou adorar conhecer 

 

 

Érika Fernandes-Pinto, 01/05/2021


 

Notas e fontes: 

(1)  Para saber mais sobre o Vale Europeu - https://circuitovaleeuropeu.com.br

(2)  Para saber mais sobre o Vale dos Teares - https://valedosteares.com

(3)   A maior área contínua de Mata Atlântica do Estado envolvendo nove municípios catarinenses: Apiúna, Ascurra, Blumenau, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Presidente Nereu e Vidal Ramos. Para saber mais: https://www.icmbio.gov.br/portal/visitacao1/unidades-abertas-a-visitacao/731-parque-nacional-da-serra-do-itajai

(4)  https://valedosteares.com/atrativo/trilha-de-sao-jose/

(5)  https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2020/03/18/conheca-a-historia-de-sao-jose--homem-escolhido-para-ser-o-pai-de-jesus.html

(6)  https://cruzterrasanta.com.br/significado-e-simbolismo-de-sao-jose/148/103/

(7)  http://animamundhy.com.br/blog/celebrando-sao-jose-encarnacao-de-saint-germain-saiba-sobre-a-origem-da-busca-pela-era-de-ouro

(8)  http://turismoguabiruba.blogspot.com/2017/12/pista-de-parapente-do-morro-sao-jose.html

(9)  https://turismo.guabiruba.sc.gov.br/equipamento/index/codEquipamento/6177

(10)                 https://www.univille.edu.br/account/mpcs/VirtualDisk.html?action=readFile&file=AlissonSousaCastro.pdf&current=/Dissertacoes

(11)                  https://omunicipio.com.br/a-lenda-do-pelznickel-a-historia-do-papai-noel-do-mato/

 

Referências complementares:

§  Guia Cultura e Religião - https://valedosteares.com/wp-content/uploads/2021/02/valedosteares.com-guia-cultura-e-religiao.pdf

§  Guia Aventura em Família - https://valedosteares.com/wp-content/uploads/2021/02/valedosteares.com.pdf

Comentários