VASSOURAS (Parte 2): AS FIGUEIRAS SAGRADAS E A TRISTE SINA DOS BARÕES DO CAFÉ


Por Érika Fernandes Pinto (Série Sítios Naturais Sagrados de onde eu vim)

No Vale do Rio Paraíba, a 116 km da capital do Rio de Janeiro, está a cidade que ficou conhecida na história oficial do Brasil como “a princesinha do café”. 

Uma vila que, nascida do extermínio de índios, toda de contrabando de ouro e, depois, acampamento de tropeiros, se tornou uma "cidade de Barões".


Conta-se que o povoado surgiu a partir do Caminho Novo - rota de escoamento de ouro de MG para o RJ, utilizada pelos tropeiros. 


Recebeu primeiro o "singelo" nome de Sesmaria do Sertão da Serra de Santana, Mato Dentro por detrás do Morro Azul


Depois foi rebatizada como Sesmaria de Vassouras e Rio Bonito, sendo “vassouras" uma referência a um arbusto abundante na região, também conhecido como guaxuma. 


Vassouras foi uma das maiores produtoras de café no século XIX. Registra-se que a região chegou a produzir 75% dos grãos consumido no mundo. 

 

Por volta de 1850, no apogeu econômico, Vassouras tinha cerca de 3.500 habitantes na área urbana e o maior número de fazendeiros nobres do Império: 25 barões, 7 viscondes, 1 viscondessa, 1 condessa e 2 marqueses.

 

O café foi a produção que deu notoriedade internacional ao Brasil, que chegou ao posto de maior produtor e exportador do mundoFoi chamado de ouro verde. 


Essa produção foi tão importante que um ramo dessa planta está representado na bandeira Imperial. 

Junto com um ramo de tabaco, as duas plantas consideradas as maiores riquezas comerciais do Império.



No coração de Vassouras, está a Praça Barão do Campo Belo, rodeada por casarões coloniais e emoldurada por palmeiras imperiais triscando os céus. 


Registro desse passado tido como glorioso, o centro histórico foi tombado pelo IPHAN em 1958.


No centro da praça tem um chafariz de 1846, que funcionou como um aguadeiro onde os escravizados vinham buscar água. E, conta-se, trocar informações e articular suas revoltas. 

 

No alto da praça está a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, em estilo neoclássico por fora e rococó por dentro. Com dois emblemáticos galos dourados no alto das torres, que se movimentam ao sabor do vento. 



Minhas memórias desse local são principalmente da tal missa da meia noite no dia de Natal, uma tradição bem forte em Vassouras. Que mobilizava muitas famílias a sair pela madrugada caminhando em bando pelas ruas de "pé de moleque" em direção a essa igreja, guiadas pelo bimbalhar dos seus sinos. 


Me lembro como se fosse ontem a imponência da minha tia-avó Maria que surgia gloriosa no alpendre da igreja entoando cantos sacros com um vozeirão de cantora de ópera - e um corpanzil correspondente. 


E do batismo da minha irmã Juliana, quando eu tinha apenas 5 anos. Um evento que reuniu a família e registra nas poucas fotos a figura de alguns parentes que nunca mais encontrei. 


Figueiras centenárias

Atrás dessa igreja existe uma alameda com 16 figueiras centenáriasÁrvores enormes tidas como sagradas na Índia e em outros países.  Reconhecidas como "a árvore sob a qual Siddhartha Gautama atingiu a iluminação e tornou-se um Buda" . 

 

Que em Vassouras chegaram não se sabe como, foram plantadas não se sabe por quem e nem quando.

 

Mas cresceram frondosas e ficaram famosas!


Apareceram até no cenário de novelas globais como Roque Santeiro e a série Presença de Anita.

 

Conta-se que elas foram plantadas em homenagem os 16 Barões vassourasses, nascidos na cidade.  


E que abraçar o tronco de uma delas e fazer um pedido traz sorte. 



Eu não sei se a lenda procede! 


Mas parece que os barões do café não tiveram lá muita sorte...


Apogeu e declínio do ciclo do café

Nas terras brasileiras, a ciclo do café sucedeu o do ciclo do ouro, que chegou ao fim após o esgotamento das principais minas nas Gerais. 

Registra a história que os primeiros grãos de café foram trazidos para o Brasil em 1727 e eram cultivados apenas para consumo doméstico. 

A produção em larga escala tem início no século XIX.  Dizem que foi incentivada pelo próprio monarca, que concedeu terras e sementes para que a iguaria que começava a despertar interesse internacional fosse plantada nos arredores da cidade do Rio de Janeiro. 

O interesse cresce e o cultivo se expande pelo Vale do Paraíba, pelas boas condições climáticas e de solo propícias à produção.  

Essa se tornou a primeira e maior região produtora de café, de 1825 até por volta de 1870. 

Mas esse não era um território vazio! 

Além da magnífica e exuberante Mata Atlântica que recobria a região - e da qual só restaram amostras -, os índios Puris e Coroados que a habitavam foram dizimados. 

Pequenos produtores posseiros que cultivavam lavouras de subsistência também foram violentamente expulsos.

As plantações seguiam o modelo norte-americano das plantations - grandes propriedades privadas monoculturais mantidas com trabalho braçal escravo. 

Que motivaram o maior deslocamento forçado de pessoas da história da humanidade. Negros obrigados a servir exaustivamente a esse sistema insano e desmedido de produção. 

Conta a história que um escravo tinha que cuidar de cerca de 14 mil pés de café! 

Em 1850, no apogeu da produção, quando Vassouras é reconhecida como "a Princesinha do Café" e "a Cidade dos Barões", a população era de 28 mil pessoas, sendo 20 mil o contingente de negros escravizados.

Mas se manter mínimas condições de saúde dos seus trabalhadores não estava entre as preocupações dos nobilíssimos fazendeiros, tampouco estava manter a qualidade do solo das suas áreas produtivas. 

As matas nativas foram quase integralmente devastadas. Fileiras de café subiam indiscriminadamente pelas encostas dos morros, deixando o solo exposto à erosão. Quando chovia, as águas escorriam livremente pelas valas entre os pés de café, causando perdas significativas de terra.  

Queimadas excessivas e também contribuíam para o envelhecimento dos cafezais. 

O esgotamento, em algum momento, era inevitável!

A terrível sina de extrair os recursos naturais da terra até a exaustão - repetindo o padrão "pujança, estagnação e declínio" dos ciclos econômicos anteriores do pau-brasil, do açúcar, do algodão e do ouro - se confirmou. 

Entre 1870 e 1890 a região começa a sofrer as consequências de calamidades ambientais resultantes de abusos de diversas ordens. Que levaram à decadência da produção de café e também dos seus Barões. 

Conta-se que, na época, os fazendeiros procuravam a razão do declínio da produção em aspectos econômicos como o valor dos juros para empréstimos agrícolas ou a falta de maquinaria de tratamento dos grãos de café. 

Quase um século se passou até se começar a perceber a relação da destruição do meio ambiente como um dos fatores essenciais da decadência econômica. 

Mania essa que, infelizmente, parece ter se arraigado na mentalidade brasileira, uma vez de que de lá para cá pouco mudou. E continuamos repetindo o mesmo padrão mesmo em épocas contemporâneas. 

Nos arredores do Rio de Janeiro, a crise hídrica que assolou a cidade nos anos de 1840 levou Dom Pedro II a desapropriar os cafezais e promover o reflorestamento do Maciço da Tijuca (entre 1844 e 1890). Regenerando assim as belas matas que hoje estão protegidas por um parque nacional. 

No Vale do Paraíba, no entanto, a devastação ambiental deixou marcas profundas. As antigas plantações de café deram origem a extensos pastos para gado, ampliando ainda mais as consequências ambientais desastrosas. 

Das belas matas e biodiversidade pujante do Vale do Paraíba, infelizmente, pouco restou! 

Conforme descrito por Monteiro Lobato na obra Cidades Mortas, que retrata a decadência econômica da região: 

"Toda a seiva foi bebida e, sob forma de grão, ensacada e mandada para fora. Mas do ouro que veio em troca nem uma onça permaneceu ali, empregada em restaurar o torrão".

O gosto amargo do ouro verde também foi sentido pelos nobres. 

A grande elite social dos Barões de Café ruiu! 

A maioria das fazendas que estavam na mesma família há gerações foram perdidas, hipotecadas em empréstimos bancários e abandonadas. 


Voltando à nossa bela alameda de figueiras centenárias em Vassouras, fico me perguntando sobre o destino dos 16 Barões do Café filhos da terra. Ainda não encontrei informações sobre o desfecho de suas vidas. 

Talvez tenham sentido que o "ouro verde" era similar ao "ouro de Midas", algo que parece uma benção, mas que se revela uma maldição. 

É de se pensar se a história não poderia ter sido diferente... Se em vez de plantar árvores exóticas indianas, por mais belas que sejam, os barões da época tivessem se preocupado em manter minimamente parte das matas preservadas. 

Por que não há nada mais sagrado do que as florestas nativas mantidas no seu lugar! 


Mas ficaram as histórias de algumas pessoas que, desafiando o status quo, ousaram trilhar caminhos diferentes. 

Como a jovem Eufrásia Teixeira Leite, protagonista da nossa próxima história.

Vamos nessa? 


Por Érika Fernandes Pinto

Itajaí, 05/09/2022

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Para saber mais: 

MUNIZ, Célia. O Barão de Paty do Alferes e a Escravidão em Vassouras. R. Mest. Hist. Vassouras. V.5. 2003. Acessado em 12/08/2013. Em: http://www.uss.br/pages/revistas/revistaMestradoHistoria/v5n12003/pdf/002-v5_2003.pdf

PETRUCELLI, Jose. Café, escravidão e meio ambiente – o declínio de Vassouras na virada do século XIX. Estudos Sociedade e Agricultura N.3 1994. Acessado em 12/08/2013. Em: http://r1.ufrrj.br/esa/art/199411-079-091.pdf

POZZOBON, Fernando. Senhores e escravos no vale do Paraíba nas últimas décadas da Escravidão. Acessado em 12/08/2013. Em: http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2008/06/senhoreseescravos.pdf



 

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