ENTRE PEDRAS E GENTES: OS GUARDIÕES DO SOLDADOS DE SEBOLD (PARTE 2)

Érika Fernandes Pinto com o Soldados de Sebold ao fundo (Foto: Philipp)


No texto anterior você acompanhou a primeira parte dessa saga de conhecer as belezas do Soldados de Sebold

E de tentar voltar para casa depois da chuva deixar a estradinha de chão intransitável, quando fomos acolhidos por uma família local de Caetê, Alfredo Wagner. (Acesse AQUI)

Agora você acompanha o desenlace dessa história, conhecendo um pouquinho mais das belezas e dos mistérios de Alfredo Wagner. 


Alfredo Wagner: uma região cheia de belezas

Eu não conhecia nada sobre Alfredo Wagner nem essa parte da serra catarinense. E confesso que fiquei encantada! 

Esse município catarinense, que dista 111 km da capital do estado, tem vários atrativos interessantes. 

70% da sua população vive na zona rural. E, segundo o André, este é o município do sul do Brasil com mais estradas de chão, cerca de 3 mil km!

A cidade recebeu, em 2004 (por lei estadual) o título de “Capital Catarinense das Nascentes”. 

Além de abrigar a nascente mais alta do Rio Itajaí Açu, brotam ali também os rios Braço do Norte (afluente do Rio Tubarão), Canoas e Cubatão (que deságua na Grande Florianópolis). 

A região tem um rico patrimônio arqueológico registrado. E muito mais por ser ainda descoberto e estudado. 

Além dos registros humanos ancestrais de grupos indígenas Jê meridionais (com sítios líticos, casas subterrâneas, abrigos sob rochas e locais de sepultamento), também foram encontrados ali fósseis de palmeiras primitivas e até ossadas de Mesossauros.

Até o início da ocupação colonizadora, a região era habitada pelos Xokleng

Estudos ainda incipientes revelam quão profunda era a relação dos indígenas com essa região, hoje não mais presente no território. 

Eles viviam da caça e da coleta do pinhão e outras de plantas das matas, se deslocando pelo território de acordo com as safras de alimento e a época do ano. 

A caça, que já foi uma atividade importante, agora é mais rara e o leão baio (como chamam a onça parda), muito famoso na região, aparece com certa frequência.


Monumento ao leão baio na estrada para Soldados de Sebold
(Foto: Érika Fernandes Pinto)


Muito para conhecer

Além do Soldados de Sebold, o município conta com uma série de atrativos de turismo de natureza, de aventura, rural e religioso. 

Para citar apenas alguns, tem o camping Terra de Gigantes, na localidade de Santa Bárbara, que dá acesso a caminhadas pelo Campo dos Padres.


Camping Terra de Gigantes (Foto da Rede Mundial de Computadores)

Tem a gruta do Poço Certo, com uma capela num ambiente cinematográfico, ladeada por uma cascata de 42 metros. 


Gruta do Poço Certo, lugar sagrado em Alfredo Wagner/SC (Foto da Rede Mundial de Computadores)


Também a gruta de Nossa Senhora de Fátimano Distrito de São Leonardo. E a gruta do Riozinho, com uma cachoeira de 25 metros de altura (dividido em duas quedas) e um altar a Nossa Senhora Aparecida, outra área belíssima de uso religioso.

Cerca de 10 propriedades no município integram a Acolhida na Colônia, um programa de turismo rural (ou agroturismo) que eu considero dos mais interessantes aqui no Brasil. 

Promovem vivências rurais, compartilhando os saberes do campo, produtos artesanais e alimentos frescos e orgânicos produzidos localmente. 

E tem o Museu de Arqueologia de Lomba Alta, instalado em uma casa que é uma réplica da casa original onde viveu o patrono que dá nome ao município, em estilo suíço-germânico e com um belo bosque de árvores nativas. 

Quem idealizou o museu e cuida dele até hoje é o Seu Altair, neto do Alfredo Wagner, que escreveu vários livros sobre a região, entre eles, Alfredo Wagner: terra, água e índios.



A cultura popular alfredense também é recheada de lendas. 

Como a do Gritador (um ser fantasmagórico que assombra os campos de altitude), a dos fantasmas dos bugres da Pedra Branca, a da toca do fugitivo Nego Sôni, a do padre que amaldiçoou Catuíra a permanecer estagnada no tempo. 

Tem também a do túmulo do soldadinho que morreu congelado na época da revolução e passou a fazer milagres, a das terríveis façanhas de Martinho Bugreiro (um afamado caçador de indígenas) e a da mulher de branco que assombra a Serra da Boa Vista, entre outras.

Ou seja, muito ainda a desbravar no futuro, para contar novas histórias!


Mas por hora, ainda estou tentando ir embora do Soldados de Sebold e da casa da Dona Amerlinda no Caeté... 


Já vou embora, mas sei que vou voltar

O dia seguinte em que dormimos na casa da Dona Armelinda amanheceu nublado, mas sem chuva, com um pouquinho de sol aqui e acolá, mas nada muito promissor.

Resolvemos descer a pé para ver o trajeto que faltava enfrentar para chegar até a estrada e fiquei estupefata. Eram apenas poucas centenas de metros, mas com condições sinistras. 


A lamaceira da estrada de volta do Soldados de Sebold (Foto: Érika Fernandes Pinto)

Primeiro fiquei pensando como, afinal, eu tinha conseguido subir aquilo. 

E depois, que era impossível descer com meu carro! 

Será que alguém em Caeté queria comprar um Fiat Idea, Adventure só no nome, para andar por ali sem jamais descer até a estrada principal?

Lá embaixo fomos ver o tal estacionamento onde meu carro deveria ter ficado. 

A família do Claudir Brucker, também conhecido como Batoré, são os últimos moradores da estrada e guardiões do local. O espaço é muito agradável, com belas árvores e na frente do rio (telefone de contato: 48-996748909, localização AQUI). 

Estávamos lá apreciando a natureza quando o Philipp me perguntou se eu sabia alguma canção indígena para invocar o sol. 

Lembrei de uma e cantei. 

Assim que acabei, despencou uma chuvarada danada!

Rimos bastante e lembrei do meu pai, que gosta de falar com “Pedroca” (São Pedro) sobre as condições meteorológicas e pensei: “Vai saber como funcionam os desígnios da natureza e os comandos astrais... pro sol vir a água que está no céu tem que acabar de cair, não é?”. 

O fato é que a fézinha na beira do rio parece que funcionou...


Dali a pouco chegou o Claudir dizendo que depois daquela chuvarada dava para tentar descer o carro com o trator. 

“Como assim?" "Não tinha que parar de chover para estrada secar?” Eu não entendi bem a coisa...

Mas, segundo ele explicou, pouca chuva só mela a estrada e forma um barro que gruda no pneu dos veículos impedindo a tração. 

Mas uma quantidade mais substancial de chuva, lava a lama do cascalho, o que permite que o trator tenha sustentação. 

Bora testar então!


Lá fomos nós, montados no trator junto com o Claudir, subindo a lomba e descendo de ré para verificar as condições da estrada. 

Nas partes mais críticas ele cavou um trilho na estrada para que o pneu do carro pudesse descer encaixado ali, sem escorregar pela ribanceira. 

O resultado do teste foi positivo: “Parece que dá!” Você se responsabiliza pelo carro?, ele perguntou. “Sim, é claro. Mas você se responsabiliza pelo trator, né?" 

Vamos lá então e seja o que Deus quiser! 


Fomos buscar as coisas na casa da Dona Armelinda e nos despedir, mas não conseguimos sair sem antes almoçar, pois ela nos aguardava com mais uma comidinha caseira deliciosa. 

Claudir foi dirigindo o trator e o Eliseu, marido da Roseli, guiando meu carro. Entregando na mão de quem sabe, eu segui a pé, filmando a proeza. E rezando para dar tudo certo!


Dona Armelinda e família vieram caminhando junto para acompanhar a odisseia. 

Perguntei se tinha algum santo padroeiro na comunidade e responderam que eles eram luteranos, então reverenciavam só Deus mesmo. 

Lembrei então de uma antiga canção que guardei da minha infância católica e que uso em alguns momentos de precisão e comecei a cantar. 

Elas também conheciam a letra e dali a pouco estávamos descendo a ladeira entoando em coro “Segura na mão de Deus e vai”!




E o fato é que foi! 

Nas mãos de Deus, do Eliseu e do Claudir, a estratégia funcionou e o carro chegou lá embaixo sem maiores percalços.  

Assim, graças ao apoio do pessoal da região consegui voltar a salvo e com o carro inteiro.  eu já não afirmo, porque foi meio loucura me meter lá desse jeito. 




Mas a aventura valeu, e muito!

Pelas belas paisagens, pelos banhos nas águas gélidas, pela interação com a natureza, pelo reencontro com o André e a Ana Rocha e outras coisitas mais. 

Mas valeu principalmente pela oportunidade de conhecer as pessoas tão amáveis que moram nessa região e que nos ajudaram de coração. 

Que nos tiraram da valeta, nos rebocaram morro acima, nos acolheram para passar a noite, compartilharam do seu alimento, de suas vidas e suas histórias. 

E, por fim, que nos ofertaram suas habilidades para descer com o carro morro abaixo seguro por um trator e manejado com uma destreza sem a qual não teria sido possível voltar para casa.


Érika Com Dona Amerlinda e novos amigos no coração


Seu Osni, Luan e Greice, Dona Armelinda, Claudir e Roseane, Roseli e Eliseu... Não tenho palavras para lhes agradecer. 

Espero que esse texto possa ser uma pequena retribuição por tudo que vocês nos ofertaram.

Vocês transformaram uma situação que poderia ter sido uma grande roubada e uma aventura um tanto perigosa, em uma experiência preciosa e cheia de aprendizados.  

Vocês nos ajudaram a ir embora, me deixando cheia de vontade de voltar!!!

E em breve eu volto para desbravar mais um pouco dessa região tão incrível e visitar os novos amigos... 

Mas a pé!

 

Obrigada aos GUARDIÕES DE PEDRA das montanhas, que protegem os segredos dessas belas paisagens.


E os seus GUARDIÕES DE CARNE E OSSO, que mantém o sagrado no coração.

 

Até logo!

Érika Fernandes Pinto, 29/04/2023



Esse texto narra uma experiência pessoal de viagem de Érika Fernandes Pinto, idealizadora da Iniciativa Sítios Naturais Sagrados do Brasil

Esse projeto visa registrar, reconhecer e promover os lugares de natureza que podem ser considerados sagrados no território nacional, valorizando os seus guardiões ancestrais e atuais. 

Busca conectar pessoas, empreendimentos, projetos e outras iniciativas alinhadas com princípios e valores que integram CULTURA + NATUREZA + ESPIRITUALIDADE. 

Fica o convite para conhecer mais sobre essa proposta e participar dessa aventura, divulgando a iniciativa ou tornando-se um voluntário ou parceiro dela. 

Histórias sobre outros lugares sagrados do Brasil podem ser acessadas no Blog da iniciativa e no seu Instagram @snsbrasil

Mas já são mais de 1.200 sítios naturais sagrados cadastrados no território nacional, então tem muito trabalho e muito chão pela frente!


Para mais informações entre em contato: @erikafernandespinto, (61) 981041130, erika.icmbio@gmail.com



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