O POVO DOS PERAUS E OS SEGREDOS DO SAGRADO NOS CÂNIONS DO PARQUE NACIONAL APARADOS DA SERRA
Cânion do Itaimbezinho no Parque Nacional Aparados da Serra, divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina |
Na divisa dos estados do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, a espessa neblina comum nas serras íngremes que interligam o litoral ao planalto encobre uma das paisagens mais deslumbrantes do Brasil.
Um conjunto de mais de 60 cânions, que se estendem por cerca de 250 km, com paredões e fendas que estão entre os maiores da América Latina.
Os quase mil metros de desnível entre o planalto riograndense e a planície catarinense conformam uma formação geomorfológica única, que registra a história da Terra em diferentes épocas.
Os cânions são fruto da separação dos continentes da Pangeia, um dos maiores eventos geológicos do planeta, resultado de um grande cataclisma vulcânico e derrames basálticos ocorridos há 150 milhões de anos, quando a América do Sul se desprendeu da África.
Assim, a formação brasileira tem também a sua contraparte do outro lado do Oceano Atlântico, na Namíbia.
Os cânions ou “peraus” – como
denominam os moradores locais – surgem
sem transição na paisagem, quase verticais. Parecem ter sido cortados à faca,
daí o nome dado a parte dessa região: Aparados da Serra.
Platôs cobertos por campinas verdejantes entremeados por matas onde despontam pinheiros araucária de quase 50 metros de altura e cachoeiras de águas cristalinas que mergulham nas profundezas dos abismos completam o cenário de estonteante beleza.
A sensação de estar diante desses imponentes desfiladeiros é indescritível.
Vista do Cânion Índios Coroados, no início do Parque Nacional Aparados da Serra. Foto: Acervo SNSBrasil |
Em meio às belas paisagens, as brumas do tempo desvelam histórias e lendas que povoam o imaginário das pessoas, dando ao cenário uma aura de encanto e magia.
De sítios pré-históricos com artes rupestres gravadas nas rochas e paleotocas de preguiças gigantes.
De povos indígenas que desapareceram deixando como registro apenas abrigos escavados nas pedras – as chamadas "tocas de bugres".
De imigrantes europeus que chegaram no Brasil fugindo de grandes pestes que assolavam seus países de origem, movidos pelo sonho de uma “terra livre” e próspera.
De tropeiros que desciam caminhos perigosos nas serras íngremes transportando produtos entre a planície e o planalto.
De locais onde ocorreram batalhas emblemáticas na conformação da história do país durante as revoluções Farroupilha (1835-1845) e Federalista (1893-1895), lembradas em celebrações anuais que mobilizam a população local.
E muitas outras histórias...
Portal de entrada da cidade de Cambará do Sul/RS, a capital dos Cânions |
Nessa região alta dos cânions, chamada de Campos de Cima da Serra está Cambará do Sul, pequena cidade interiorana conhecida
como Terra dos Cânions, um dos principais pontos de partida para conhecer
essas maravilhas da natureza.
Terra de gente simples e hospitaleira, que presa pelo silêncio, as relações familiares, a religiosidade. Que adora “churrasco com chimarrão”, festas comunitárias embaladas pelo som dos gaiteiros e rodas de contação de histórias ao redor do fogo nos galpões ou sob o céu estrelado.
Detentores de uma cultura diferenciada, que se revela nos modos de falar, de vestir e de viver.
Não é raro ver cavalos passeando pelas ruas e homens e mulheres com trajes típicos gauchescos – eles de bombacha, lenço no pescoço e chapéu; e elas com vestidos de “prenda”, rendados e floridos.
A sequóia lunar na Praça central de Cambará do Sul |
Conta-se que foi plantada a partir de uma semente que viajou até a lua e, por isso, é chamada de árvore lunar.
Em uma agência local (Cânion Turismo) está o Kridjijimbé – nome que passei uma semana inteira tentando aprender a pronunciar, derivado de uma lenda Guarani que conta sobre um dilúvio que assolou a região e do qual sobreviveu somente um índio.
Kridjijimbé - maquete do relevo da região feita pelo artista Marlon Selva |
Uma verdadeira obra prima, feita a partir de materiais naturais como madeira, musgo e casca de árvores, resultado de seis meses de trabalho do artista Marlon Selva, precursor da chamada Bioarte.
Marlon é também o escritor do livro Travessia, onde narra uma aventura mística pelo interior do Cânion do Itaimbezinho.
As gentes dos campos: entre lendas, saberes e sabores
Casa de um morador local do Povo dos Peraus na área do Parque Nacional Aparados da Serra (Foto: Érika Fernandes Pinto - Acervo SNSBrasil) |
Na zona rural, casas simples surgem espaçadamente em meio ao campo e as matas. Seguem a arquitetura serrana tradicional, feitas em madeira com telhado de barro inclinado (para permitir o escoamento da neve) e tem o fogão a lenha como elemento quase onipresente.
Antigas taipas, um tipo de muro baixo de pedras encaixadas, serpenteiam os campos, servindo para delimitar as lavouras e não deixar entrar o gado, que é criado de forma extensiva no pasto nativo.
Sua construção se perde nas brumas do tempo. Algumas são muito antigas, conformando verdadeiras relíquias históricas.
Na culinária típica campeira destaca-se, além do churrasco, o arroz de carreteiro, uma mistura de arroz e charque cozidos na mesma panela.
Também o queijo serrano – produzido artesanalmente do leite cru a partir de uma receita tradicional e que dispensa refrigeração – é uma iguaria reconhecida como patrimônio da região.
O doce de gila (Curcubita ficifolia), um tipo de abóbora, é apreciado pelos moradores e visitantes, assim como as geleias e chimias de frutas locais e as cervejas artesanais que tem como diferencial serem feitas com a água pura dos cânions.
Cambará também é conhecida pela produção de um mel orgânico de qualidade reconhecida internacionalmente, originado das floradas das matas nativas. Inclui uma variedade preta (melato da bracatinga) e outra branca, produtos mais raros.
O pinhão, fruto da araucária, além de consumido puro é utilizado como ingrediente de destaque em diversos pratos.
E tem o famoso chimarrão, bebida tradicional feita de erva mate, símbolo mor da cultura gaúcha, sinônimo de acolhimento, irmandade e liberdade.
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Nos peraus também não faltam mistérios, histórias de assombrações e outros seres encantados, como relata Frank Lummertz no livro Pirambeira1.
Jipe fantasma, na entrada de Cambará do Sul/RS |
Tem lenda do saci, do negrinho do pastoreio, do jipe fantasma, de tesouros escondidos pelos jesuítas, de árvores sagradas, de rês encantadas e de luzes estranhas e coloridas que planeiam sobre os cânions e desaparecem subitamente nos precipícios.
Pedra do Segredo no Cânion Fortaleza |
Tem a Pedra do Segredo - um bloco monolítico de aproximadamente 5 metros de altura aparentemente equilibrado na beira do abismo, o que aguça a curiosidade.
O Gritador - personagem fantástico e fantasmagórico que faz parte das histórias dos Campos de Cima da Serra |
Quem nasceu em épocas mais recentes acha que essas coisas não existem, que são causos dos antigos.
Mas como me disse a Dona Edira (uma filha dos Peraus) na nossa primeira conversa sobre o Gritador, "foi minha mãe e meu tio que me contaram essas histórias e eles não mentiam. Não são lenda, são uma realidade!"
Da era da exploração para a era da conservação
Nos idos da década de 1940, quando diversas serrarias operavam em Cambará e a exploração da araucária estava no auge, uma figura visionária chamada Rambo entrou na história defendendo a necessidade de proteger a região.
Um padre filho de imigrantes alemães, nascido em 1906 na pequena cidade de Tupandi/RS, cuja história de vida faz jus ao nome do personagem hollywoodiano que posteriormente ficou famoso na ficção.
Padre Balduíno Rambo - pioneiro na defesa da conservação |
Filósofo, naturalista, cientista, viajante e aventureiro - são vários os termos usados para caracterizar Balduíno Rambo, falecido em 1961. Uma personalidade singular que, no início do século XX, foi pioneiro na conservação da natureza no Brasil.
Ele escreveu um dos mais importantes livros sobre a fisionomia do Rio Grande do Sul, publicado em 1942 e que ainda hoje é uma das principais referências sobre a região.
Atento a realidade socioambiental, não se limitou a descrever as formações naturais, mas também chamou a atenção para os problemas que as ameaçavam, como o aumento do desmatamento causado pela exploração madeireira e o avanço da agricultura e a matança de animais silvestres, erguendo a bandeira da ecologia quando a ideia de ambientalismo sequer existia.
Defendia a conservação da natureza não apenas com a finalidade da sobrevivência humana, mas também como uma questão ética.
Provocador, não via contradição entre a ciência e as crenças religiosas e deixou um amplo legado de conhecimentos, amor à natureza e inspiração3.
Adorava a região dos cânions e a visitava regularmente. Foi por sua influência que, no final da década de 1950, foram criadas as primeiras áreas protegidas na região – como o parque dos Aparados da Serra (inicialmente como unidade estadual, em 1957, e depois como federal, em 1959).
A área de proteção foi ampliada na década de 1990 com a instituição do Parque Nacional da Serra Geral. Juntos, os dois parques somam 27 mil hectares.
Um cenário inspirador
Esse cenário - que inspira há séculos inúmeros cantos, contos e poesias -, começou a ficar mais conhecido pelo público brasileiro em geral somente em anos mais recentes, ao ser divulgado em diversas produções televisivas e cinematográficas.
Dentre elas, destaca-se as novelas Esplendor e Chocolate com Pimenta, a série A Casa das Sete Mulheres e o filme A Cabeça de Gumercindo Saraiva.
Mini série A Casa das Sete Mulheres, que retrata paisagens da região |
As riquezas que muitos olham, mas poucos veem
A visitação nos parques é crescente e eles recebem atualmente mais de 200 mil turistas por ano.
A pé, de bicicleta, cavalgando, em veículos off road, voando de balão ou pulando nos ares em saltos de base jump - são muitas as formas de conhecer e se aventurar pela região, que tem atrativos para todos os gostos.
Mas, se muitos olham as paisagens, poucos realmente a veem.
A maioria das visitas consiste no que alegoricamente vem sendo chamado de turismo de selfie, quando a contemplação, a experiência e a comunhão com a natureza ficam em segundo plano, servindo essa apenas de pano de fundo para uma foto express para postagem nas mídias sociais.
Ainda são raros os viajantes que se permitem adentrar nas verdadeiras maravilhas que os peraus desvelam somente aos mais sensíveis e atentos.
Pois como escreveu o Padre Rambo, para compreender a natureza há de se olhar para as paisagens e suas gentes com os olhos do coração.
Mas onde estarão escondidos os verdadeiros encantos desse lugar sagrado?
Onde se escondem os segredos do sagrado
Nas proximidades do Cânion do Itaimbezinho, o mais famoso da região, uma singela placa de madeira convida a conhecer o "Café do Vô Marçal e Artesanato da Vó Maria" e a mergulhar nas histórias do tempo de antigamente.
Uma breve caminhada leva a uma pitoresca cabana de madeira erguida há mais de 75 anos pelo casal Marçal e Maria, patriarcas da Família Klippel.
Café do Vô Marçal e artesanato da Vó Maria nas proximidades do Cânion do Itaimbezinho: um patrimônio ameaçado |
O local, restaurado por seus filhos em 2015, foi mantido tal como era e representa um verdadeiro “museu vivo”, preservando utensílios tradicionais das lides campeiras, apetrechos utilizados na fabricação de peças de lã artesanal (como a roca e o tear manual), além de móveis e objetos antigos do casal.
Na sala, enquanto um fogão a lenha aquece o ambiente, Dona Edira, Seu Eraldo, Dona Loe, Seu Antônio e outros familiares servem lanches, vendem produtos locais e contam as histórias do lugar.
Fogão a lenha que aquece a cabana do Vô Marçal |
Seu Marçal, o patriarca da família, foi um legítimo representante do movimento tropeiro na região. Na juventude, transitava pelos três estados do sul carregando produtos locais (como peças de charque, queijo e garrafas de cachaça) para trocar por suprimentos como tecidos, calçados, açúcar e arroz no lombo de mulas.
As mulas vem do cruzamento de burros com éguas. São consideradas mais resistentes e capazes de carregar pesos maiores e vencer o terreno escarpado onde cavalos e outros animais não conseguiam transitar.
Esse ciclo econômico perdurou até a década de 1970 na região, quando as primeiras estradas carroçáveis foram abertas. Mas criou uma cultura que continua viva e pulsante, com influência na culinária, no artesanato, na literatura, nas lendas e no jeito de ser e de sentir do povo local.
Conta-se que em uma de suas andanças, Seu Marçal, então com 24 anos, se apaixonou pelos peraus e adquiriu ali uma terra, em 1959.
A casa e as demais estruturas foram construídas “tábua por tábua” pelas mãos da própria família. Ali nasceram e cresceram os 10 filhos do casal, que viveu 65 anos em comunhão.
A residência era ponto de encontro de tropeiros e campeiros acolhidos quando surpreendidos por uma virada no tempo, o frio intenso ou a espessa neblina.
E ficou na memória de muitos viajantes que por lá passaram e que com eles compartilharam prosas perto de um fogo de chão, acompanhadas de cuias de chimarrão e pinhão quentinho.
E também de turistas que visitaram a região antes da implementação das estruturas turísticas governamentais. Como eu, que tive o privilégio de conhecer o casal nos idos de 1990, quando estive pela primeira vez nessa região.
Marçal e Maria moraram nessa cabana isolada e sem energia elétrica até 2002 quando, por razões de saúde, tiveram que ir para a cidade. Ela faleceu em 2009, aos 90 anos, e ele um ano depois, aos 92.
Voltei lá ano passado de férias com meu filho, para rever e lhe apresentar a região. Ao chegar no centro de visitantes do Parque Aparados da Serra, me emocionei ao ver um cartaz contando a história do casal – uma justa homenagem a essas pessoas que marcaram a história da região.
Mal sabia, entretanto, da situação que enfrenta sua família, ameaçada de ser expulsa do local por conta de um controverso processo judicial de indenização de terras que remonta à década de 1960.
Com a designação da área como parque, a lei determina que as propriedades existentes devem ser indenizadas e arrecadadas para a União.
No Aparados da Serra esse processo teve início na década de 1970, com uma sentença de desapropriação proferida em 1972.
Com isso, diversas famílias que ali residiam saíram da área do parque, mas não os Klippel, que alegam não ter recebido nenhum valor referente ao pagamento de suas terras.
O volume do processo que deveria conter os recibos de pagamento foi extraviado, complicando o esclarecimento dos fatos antigos e o caso se tornou objeto de disputas judiciais.
Nesse meio tempo, a família foi impedida de ter acesso à energia elétrica, de ampliar ou melhorar sua estrutura e de ter tranquilidade sobre seu presente e futuro no local.
Em meio as conversas, descobrimos que outras famílias também se encontravam em situação parecida, moradores tradicionais da região que tiveram seus direitos cerceados com a criação das áreas protegidas sem que suas especificidades enquanto grupo cultural fossem consideradas.
Reconhecido o problema, voltei à região à trabalho para, acompanhada de outros colegas, realizar um diagnóstico sobre a situação dos moradores tradicionais dos parques.
E conversar sobre a possibilidade de construção de um termo de compromisso - instrumento previsto em lei que permite reconhecer não só os deveres da população com relação à conservação da natureza, mas também seus direitos de manter seus modos de vida tradicionais, suas atividades produtivas, sua reprodução social e a ter melhorias de qualidade de vida.
Ainda que de início tenhamos sido recebidos com um pouco de desconfiança, rapidamente os encontros se tornaram ricas experiências de trocas de conhecimentos e aprendizados.
De mãos desarmadas e peito aberto, visitamos casas centenárias de tábuas serradas à mão, com seus quintais sempre bem cuidados e ornados de belas flores que incluem variedades raras passadas de geração a geração.
Vimos como se cuida dos apiários e provamos o mel orgânico do Seu Tadeu, premiado no Canadá como melhor mel do mundo, mas ameaçado com o avanço das lavouras de cultivos transgênicos e com agrotóxico que contaminam o solo e as águas até então puras da região.
Descobrimos a importância do manejo tradicional dos campos nativos para garantir a manutenção da diversidade da paisagem, onde o fogo é um aliado, e não inimigo.
Conhecemos as técnicas de captura de javalis – uma espécie exótica invasora que proliferou na região e que representa na atualidade uma das maiores ameaças à biodiversidade nativa.
Aprendemos as regras do cumprimento de mão à moda gauchesca, dos bailes tradicionais e da roda de chimarrão, o mais sagrado dos hábitos, onde se deve respeitar a hierarquia do “dono da cuia”, não mexer na bomba e agradecer apenas quando não se quer mais.
Experimentamos as delícias da culinária campeira no Paradouro da Serra, outro empreendimento de moradores locais, também ameaçado.
Junto com os famosos pastéis de pinhão do Café do Vô Marçal, essas são poucas iniciativas comunitárias de integração com o turismo existentes na região, que tanto valor agregam à experiência de visitação, aliando cultura e natureza.
Nesse "trabalho-vivência", dançamos e cantamos ao som das sinfonias de gaita do Tico-Tico, um filho dos Peraus, que tem seu umbigo enterrado na área do parque.
Sentimos a emoção de galopar nos campos no fim de tarde de um lindo dia. E nos espantamos com a quantidade de estrelas visíveis no céu noturno de uma noite gélida nos campos sem influência da luz elétrica.
Nos encantamos com esse povo simples, rústico, trabalhador, acostumado com a dura vida das lides campeiras e das intempéries do clima, que aprendeu a tirar o seu sustento da terra sem agredir a natureza.
São parentes e conhecidos que formam uma grande família. Pessoas corretas que presam a palavra como algo de muito valor e aquilo que é tratado “no fio do bigode” vale tanto quanto qualquer documento formal.
Que “não tem cercas, porque tem respeito!”.
Homens e mulheres que resistem as agruras do tempo e as injustiças da vida sem perder a ternura e a capacidade de se persistir.
Reservados, mas de um coração imenso, pronto para acolher aqueles que chegam com boas intenções.
E que assim como os cânions, que têm os seus caprichos e só revelam sua magia em determinadas ocasiões, resguardam o seu carisma e sabedoria.
Para conhecê-los, é preciso primeiro se deixar conhecer, abrir a mente e o coração. Pois como diria o meu estimado professor e amigo José Geraldo W. Marques, “o que é segredo e o que é sagrado, só se conta para amigos”.
Nos compadecemos com a dor de muitas famílias pelos desrespeitos e violências sofridas no passado. E nos emocionamos ao ouvi-los falar do amor que sentem pelo lugar onde vivem, relações afetivas e laços de pertencimento que não podem ser valoradas, pois não tem preço.
Na atualidade, restam poucos moradores tradicionais na região. Os mais jovens saíram para estudar e perderam o interesse nas lides campeiras e na maioria das propriedades apenas os patriarcas das famílias - chamados de “troncos véios” - permanecem morando.
Uma cultura em extinção, cujas relações com o território ultrapassam a dimensão do visível!
A ameaça de expulsão dessas famílias da área do parque representa uma perda inestimável, pois quando se vão as culturas tradicionais presentes nessas regiões, também são perdidos os vínculos de amor pelos territórios.
E tudo vira só negócio e exploração comercial, porque não há mais alma (uma bela reflexão do meu filho, que foi voluntário na empreitada).
Enquanto os imbróglios judiciais não se resolvem, os moradores demandam o seu reconhecimento como população tradicional e a celebração do termo de compromisso com o órgão gestor do parque, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Faixa mostrando que "o povo dos Peraus vive"e demanda seu reconhecimento como parte da cultura, da natureza e da história da região. |
Apenas essa iniciativa não é o suficiente para reverter um longo processo de invisibilidade e injustiças históricas.
Mas representa
um primeiro passo para que esse grupo passe a ser tratado com o respeito que
merecem, tendo sua história e seu valor reconhecidos como guardiões do
patrimônio natural e cultural da região.
Não tenho palavras para descrever como as experiências desses poucos dias junto ao Povo dos Peraus me marcaram.
E o imenso carinho com que guardarei das lembranças das pessoas que me mostraram os significados mais profundos e especiais desse lugar encantado.
Pois o que há de mais sagrado nos cânions dos Aparados da Serra encontra-se
muito bem preservado é no coração dessa brava gente, o Povo dos Peraus!
O universo faz uso por vezes de acontecimentos drásticos para nos despertar e recolocar no caminho certo. Mas quando aprendemos as lições que eles têm a nos ensinar, ficamos agradecidos.
Faço votos de que esse processo de diálogo com os moradores locais continue... Desatando nós e formando laços que permitam escrever um novo capítulo na história da região, onde natureza e cultura caminhem de mãos dadas.
Pois se não podemos voltar atrás e fazer um novo início, podemos começar agora a construir um novo final!
E aos valorosos colegas de profissão que lutam por uma política ambiental mais humana, justa e bela.
Conheça mais sobre a história do Povo dos Peraus e sua luta pelo reconhecimento como população tradicional dos parques nacionais Aparados da Serra e Serra Geral lendo e apoiando o seu Manifesto.
Famílias do Povo dos Peraus que vivem dentro da área dos parques nacionais Aparados da Serra e Serra Geral: guardiões da natureza e da cultura (Foto: Festa da Padroeira/2023 - Acervo SNSBrasil). |
Muito bem!
ResponderExcluirLi todo o texto.
Você mostrou a região dos Cânions em vários ângulos
Sua relação com os moradores é descrita com muito carinho
Parabéns!