SETE CIDADES: ENIGMAS DA MAGIA NO SERTÃO PIAUIENSE


No interior do Piauí, nas proximidades das cidades de Piripiri, Brasiléia e Piracuruca, a 180 km da capital Teresina, existe um complexo de formações rochosas que conformam um preciso tesouro natural, cultural e arqueológico. Em cerca de 20 km2, sete agrupamentos de exuberantes monumentos pétreos, apelidados pelos moradores da região como "cidades", se elevam silenciosos e imponentes. 

Formações de pedra entremeadas por morros e vegetação nativa, revelam aos observadores atentos formas intrigantes que lembram muralhas, castelos, casas, ruas e praças de uma cidade parcialmente destruída e seres gigantes de características antropomórficas e zoomórficas, além de mais de 2 mil inscrições rupestres que conformam um dos maiores acervos das Américas.

Ao olhar da ciência, elas são resultado de fraturas nas rochas de arenito laminado e maciço, produzidas por chuvas torrenciais e ventos carregados de areia que ao longo das eras geológicas formaram canais entre as rochas, processos geológicos naturais iniciado há mais de 190 milhões de anos.

Mas ao longo da história, alguns pesquisadores apaixonados pelas Sete Cidades ousaram emitir opiniões diferentes, lançando teorias de que essa esta região teria sido palco de antigas civilizações em um passado distante, sendo as formações rochosas de fato dólmens, menires e esculturas que perfazem as ruínas de um grande império. Uma fortaleza destruída por forças poderosas, que deixaram a descoberto, entretanto, alguns enigmas a serem decifrados. 

Estudadas por pesquisadores de diversas nacionalidades, visitadas por algumas celebridades e morada de personagens pitorescos, as Sete Cidades são um mundo de mistérios que há séculos povoam a imaginação dos seus visitantes.

Há quem diga que as formações registram a passagem dos fenícios pelo Brasil - civilização de grandnavegadores do Mediterrâneo que teriam aportado nas Américas três milênios antes de Cabral

Essa teoria foi proposta pelo naturalista austríaco Ludwig Schwennhagen, autor do livro “Antiga História do Brasil”, publicado em 1928, que perambulou pelas redondezas de Piripiri no início do século XX pesquisando ruínas e letreiros rupestres. 

Ele se tornou um personagem bem quisto do povo piauiense que, em função no nome complicado, o apelidou de “Chovenágua”. Desaparecido misteriosamente sem deixar rastro, sua figura e permanece gravada na memória coletiva da região. Além de letras do alfabeto fenício, ele também identificou registros de escrita egípcia e sumérica nas pedras das Sete Cidades. 

Já o arqueólogo e antropólogo francês Jacques Mabileau, autor da obra “Os Vikings no Brasil”, argumenta que a região foi um ponto estratégico e habitada por esse povo há cerca de mil anos. 
Ele encontrou nas pedras inscrições com formas de martelos, serpentes e sereias, que indicariam uma procedência nórdica. 

Corrobora com essa hipótese uma estranha incidência de pessoas alouradas nessa região específica do Piauí. 

O pesquisador Gabriele D'Annunzio Baraldi - famoso pelos estudos realizados na Pedra do Ingá (um importante sítio arqueológico do Brasil) -, apresentou a ousada teoria de que em Sete Cidades podem estar soterrados restos do continente da Atlântida. 

Há ainda aqueles que, como o suíço Erich von Däniken, autor do célebre livro “Eram os deuses astronautas?”, defendem a teoria de que deuses extraterrestres teriam ali estado e que suas cidades foram destruídas por forças apocalípticas [7]. 

As marcas do encantamento estão em todo lugar!

Na primeira cidade, a chamada “Piscina dos Milagres” é formada por uma nascente que nunca deixou de jorrar água, mesmo durante os anos de maiores secas. Nas proximidades, troncos de árvores petrificados moldados em arenito ferruginoso lembram canhões posicionados em defesa da cidade. 

“Vista Panorâmica”, na segunda cidade, com 82 metros de altura, é o ponto mais alto da região, de onde se tem uma bela e ampla visão da paisagem surreal. Nessa parte das Sete Cidades existem formações atribuídas à presença de seres humanoides gigantes, como registra uma enorme pegada gravada nas rochas, chamada de “Pé do Gigante”, que mostra em detalhe seus cinco dedos. 

E, como não poderia faltar em uma história sobre sítios sagrados, ali também se encontra a “Pedra do Falo”, que tem o formato de um órgão sexual masculino igualmente avantajado. Já a sua contraparte feminina está na “Pedra do Segredo”, localizada na terceira cidade, que lembra um órgão sexual feminino.

Na quarta cidade fica a “Gruta do Catirina”, cavidade onde morou José Ferreira do Egito, vulgo Catirina, um filho da região que ficou conhecido como o curandeiro das Sete Cidades.

Na quinta cidade, a “Pedra do Rei” lembra um soberano de costas, com seu manto e coroa.

Na sexta cidade estão formações que lembram diversos animais petrificados, incluindo um elefante, um cachorro e uma tartaruga - essa última, uma grande placa de pedra coberta por lajes hexagonais justapostas


Ali também se encontra um portal de pedra conhecido como “Arco do Triunfo”, um dos atrativos mais fotografados de Sete Cidades, batizado com esse nome em referência ao monumento francês. 

Conta-se que quem passa por baixo dele tem o direito de fazer três pedidos que, se advindos de um coração puro, serão atendidos. 

Mas atenção! Dizem que não se pode pedir para casar, nem para ficar bonito, e tampouco para ficar rico [5]. 

Curiosamente, as sete cidades na verdade são oito. A visitação turística na oitava cidade, no entanto, foi proibida na década de 1980, por conta da incrível quantidade de inscrições rupestres ali presentes e do seu grande potencial para pesquisas. É lá que se desenvolvem o maior número de projetos científicos [2]


A origem lendária das Sete Cidades conta que, em eras remotas, existia no local sete reinos habitados por criaturas mágicas e cheios de riquezas. Para unir as forças dos dois reinos mais poderosos, os filhos da realeza - um príncipe e uma princesa - foram prometidos em casamento quando ainda bebês. Já jovens, ficaram noivos em uma grande celebração cheia de pompa. 

O príncipe, no entanto, se enamorou de uma princesa de outro reino, desistindo de se casar com a primeira prometida. A mãe da noiva abandonada - tal qual no filme recém lançado da Malévola 2 (que eu adorei!) -, além de rainha, também era feiticeira e lançou sobre o casal apaixonado uma maldição, transformando-os em lagartos. 

A mãe do príncipe enlagartado, por sua vez, também era feiticeira, e revidou transformando a quase sogra de sua filha em uma cobra e depois chutando de vez o pau da barraca, transformando tudo e todos dos sete reinos em pedra, inclusive a si própria. 

Quando o feitiço foi lançado, os dois lagartinhos - que continaram apaixonados - estavam prestes a se beijar, sendo petrificados um de frente para o outro, bem próximos. 

Formação denominada "O Beijo do Lagarto"

Reza a lenda que quando suas bocas se encontrarem, o encanto será quebrado e os sete reinos voltarão à vida. 
Entretanto, como quem gosta de filmes com temáticas de magia bem sabe, todo feitiço quebrado exige uma compensação. Que, no caso dessa profecia, levaria à transformação dos sete atuais municípios do entorno da área em pedra. 

Há quem acredite piamente na lenda, pois se registra que chegaram a tentar quebrar a cabeça dos lagartos de pedra para evitar que o tal beijo se concretize. 

Mas parece que há uma maneira de quebrar esse feitiço sem causar a ruína das cidades vizinhas nem a destruição de um patrimônio histórico-geológico-natural e cultural inestimável. Alguém de coração exemplarmente puro e altruísta, que ao cruzar o Arco do Triunfo fizer seus pedidos usando as palavras certas, poderá desencantar as Setes Cidades sem penalidades. 

A gruta onde Catirina e Martinho viveram.
Uma pessoa que se empenhou nesse propósito foi o tal Catirina, um lavrador da região que, desolado com a morte da esposa, se mudou para uma gruta na quarta cidade, em 1931, embuído do desejo de se tornar um santo milagreiro. 

Acompanhado de um filho adoentado de nome Martinho, conta-se que Catirina andava vestido sempre com uma batina, se alimentava do que encontrava por ali, usava ervas e raízes para produzir remédios para os moradores das vizinhanças, que o procuravam em busca de curas e orientação. 

Pilava os ingredientes em uma cavidade esculpida no solo rochoso, seguia o livro de feitiços de São Cipriano e anotava os seus rituais de cura em um caderno próprio. Foi ganhando fama na região e dizem que realizava mesmo verdadeiros milagres, curando pessoas mordidas de cobra, afetadas por quebranto, mau olhado e outras injúrias próprias das tradições do sertão.

Túmulo do Martinho.
Eles viveram no local por 13 anos, até Martinho falecer, em 1944. 
Desolado por não ter sido capaz de curar o próprio filho, Catirina o enterrou ao lado da gruta onde moraram e voltou para a cidade, onde morreu dois anos depois. 

Conta-se que ele anunciou o dia e a hora da própria morte, preparando os seus entes queridos para a sua passagem, despedindo-se tranquilamente de todos. Queria ser enterrado na sua gruta nas Sete Cidades, junto ao túmulo que fez para o filho, mas seus restos mortais acabaram ficando mesmo no cemitério do Paiol, em Piripiri.
  
Sua fama de santo popular milagreiro, no entanto, se perpetuou para o além-túmulo. Venerado pela população da região, o local onde ele viveu ficou conhecido como “Gruta do Catirina” e virou atrativo turístico, além de local de peregrinações. 

O túmulo de Martinho também tem um pezinho na santidade e é igualmente cultuado. Assim como o pai, dizem que seu espírito também intercede por aqueles que pedem a sua ajuda. 


As Sete Cidades encontram-se protegidas pela criação de um parque nacional, instituído em 1961. Guias experientes atuam na região e ajudam os mais de 3 mil visitantes que passam por ali anualmente a compreender os seus mistérios e encantos. 

Um deles é Oziel Monteiro, um filho da região, apelidado de “Curiólogo” em função da sua  curiosidade incansável, retratada em diversas reportagens, inclusive internacionais [6].

Seu Antônio Pontes de Brito, com mais de 70 anos, impressiona a pela rapidez e segurança com a qual sobe as pedras do parque. Mas sua verdadeir marca registrada são os cordéis que escreveu para cada formação das Sete Cidades, homenageando e não deixando cair no esquecimento as lendas e histórias locais [6]. 

A região também é famosa pelos inúmeros relatos de aparições fantasmagóricas, vários deles retratados no livro “Arrepios e Assombrações em Sete Cidades”, de Reinaldo Coutinho, lançado em 2001[4].  

Consta que diversos funcionários contratados para atuar no parque já deixaram o local por medo dos casos contados. 

Uma das histórias mais clássica é o do "guia fantasma", um homem que trabalhou no parque e faleceu em um acidente de moto em 2008. Mas que reapareceu em uma dada ocasião para receber um grupo de visitantes que, desavisados, o acompanharam até o mirante de uma das cidades e presenciaram, estupefatos, o seu desaparecimento bem na frente dos seus olhos [6].

Pois é, os "habitantes" das Sete Cidades podem ser muito variados!

Entre atlantes, fenícios, egípcios, suméricos, vikings, índios, eremitas, extraterrestres e assombrações, independente do que se acredite, as Sete Cidades incontestavelmente guardam muitos segredos a serem ainda desvendados. 

Sejam elas vestígios de antigas civilizações ou formações naturais resultantes de processos erosivos, é fato que esse é um lugar sagrado, onde tudo é possível e em tudo se crê. Para conhecê-lo, é necessário ceder ao tempo, observar suas paisagens com tranquilidade, se deixar levar pela sua beleza exuberante e pela estranheza inquietante das suas particularidades. 
As histórias das Sete Cidades nos lembram que magia está sempre disponível para aqueles que buscam olhar a vida com encantamento e que ousam dar asas à imaginação.
Que elas nos inspirem a voar em busca de ideais cada vez mais alto, conectados com o maior poder de todos, a liberdade que advém de seguir os desígnios que emanam do próprio coração.

Agradecimentos ao Rui Torres Andrade, guia que conheci no Maranhão e me apresentou aos cordéis do Seu Pontes. 
E ao Fernando Gomes, colega de trabalho, que disse que eu não podia "de jeito nenhum" deixar de escrever sobre esse lugar, que ainda não conheci pessoalmente, mas que já me encantou profundamente. 

Érika Fernandes-Pinto
Brasília, 01 de dezembro de 2019. 

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Fontes e referências:



[3] https://super.abril.com.br/ciencia/ruinas-extraterrestres/

[4] COUTINHO, Reinaldo. “Arrepios e Assombrações em Sete Cidades” (2001)

[5] http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2016/09/parque-no-piaui-tem-relogio-solar-no-dia-mais-curto-do-ano.html

[6] https://cidadeverde.com/piracuruca/54547/viva-piaui-revela-misterio-da-oitava-cidade-do-parque-nacional-sete-cidades

[7] https://super.abril.com.br/ciencia/ruinas-extraterrestres/

[8] http://www.turismo.pi.gov.br/setecidades/



Comentários

  1. Gostei bastante do texto, aprendi e revivi a experiência de visitar sete cidades. Pela riquesa de detalhes e informações eu pensei que a autora tivesse visitado o parque. Vou continuar acompanhando o blog e me transportando a lugares incríveis sem sair da minha rede rsss.

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    1. Olá Rui. Obrigada por seu comentário e por ter me instigado a escrever sobre esse lugar, que visitei de outras formas e que em breve visitarei presencialmente : )

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  2. Querida Érika, uma preciosidade de texto, parabéns!

    Fica o convite a tod@s para conhecer a beleza que é o Parque Nacional das Sete Cidades, possui uma área de 6.221,48 ha com um perímetro de 36 Km.
    O Parque foi criado com o objetivo de preservar ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação, interpretação ambiental, turismo ecológico e recreação em contato com a natureza.

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    1. Está na minha lista de prioridades querido. Muito obrigada! E continuem firme nesse trabalho lindo e importante que tem sido feito por aí.

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  3. Depois de ler teu texto maravilhoso vou ter que ir lá conhecer as Sete Cidades. Valeu!

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  4. Massa, Érika! A arqueologia nos sacode por dentro, uma ciência que pode contribuir muito às outras ciências. Deu muita vontade de ir às Sete Cidades!
    Abraços, Bruno (descobri que meu blog ainda estava ativo, desde 2009...rsrs). Assim que terminar a tese voltarei ao blog! Abração!

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